Introdução
Nos últimos meses, por força da pandemia, têm sido várias as recomendações de adoção do regime de teletrabalho.
Esta situação tem vindo a levantar novas questões quando à dedução fiscal de eventuais gastos, suportados pela entidade patronal, inerentes à aplicação do teletrabalho.
Foi publicada ontem a Lei n.º 83/2021, a qual vem (finalmente) regulamentar a dedutibilidade fiscal de tais gastos.
Enquadramento jurídico
Com a aprovação deste novo diploma legal, foi alterado o artigo 168.º do Código do Trabalho.
Esta norma passa a dispor no seu n.º 1 que o empregador é responsável pela disponibilização ao trabalhador dos equipamentos e sistemas necessários à realização do trabalho e à interação trabalhador-empregador.
É necessário especificar, mediante acordo, se os equipamentos são fornecidos diretamente ou adquiridos pelo trabalhador, com a concordância do empregador acerca das suas características e preços.
Por seu lado, o n.º 2 do referido artigo estipula que são integralmente compensadas pelo empregador todas as despesas adicionais que, comprovadamente, o trabalhador suporte como direta consequência da aquisição ou uso dos equipamentos e sistemas informáticos ou telemáticos necessários à realização do trabalho, incluindo os acréscimos de custos de energia e da rede instalada no local de trabalho em condições de velocidade compatível com as
necessidades de comunicação de serviço, assim como os custos de manutenção dos mesmos equipamentos e sistemas.
Para este efeito, consideram-se despesas adicionais as correspondentes à aquisição de bens e ou serviços de que o trabalhador não dispunha antes da celebração do acordo a que se refere o artigo 166.º do Código do Trabalho, assim como as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no mesmo mês do último ano anterior à aplicação desse acordo.
O pagamento da compensação acima referida, é devido imediatamente após a realização das despesas pelo trabalhador.
Enquadramento fiscal
Determina o n.º 5 do artigo 168.º do Código do Trabalho que a compensação prevista no n.º 2 é considerada, para efeitos fiscais, custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador.
Este enquadramento levanta algumas questões adjacentes que importa analisar, designadamente quanto à sua correta documentação para efeitos da dedução fiscal na esfera do empregador.
Antes de mais, é nossa opinião que esta alteração deveria ter sido executada por ajustamento dos respetivos Códigos Fiscais, ou seja, por alteração do artigo 2.º-A do Código do IRS e do artigo 23.º do Código do IRC.
Com efeito, a dispersão legislativa em nada beneficia os utilizadores da informação, contribuindo, muitas vezes, para sua omissão ou incorreta aplicação.
Importa por isso compatibilizar esta nova nomenclatura com os Códigos acima referidos.
Determina o n.º 3 do artigo 23.º do Código do IRC que os gastos dedutíveis devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
Por seu lado, completa o n.º 4 da mesma disposição que no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;
e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
E, completa o n.º 6 que quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços, previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.
Tendo em conta estes aspetos, vejamos um exemplo relacionado com o teletrabalho.
O trabalhador necessita de acesso à internet para desempenhar as suas funções. A fatura dos serviços está em seu nome pelo que a empresa não pode suportar diretamente este gasto, sob pena de este constituir um gasto não devidamente documentado e, por esse motivo, não dedutível na determinação do lucro tributável do IRC, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A do respetivo Código.
Também não nos parece adequado que o trabalhador emita um recibo de quitação para documentar o gasto.
Sendo assim, como documentar o gasto para que o mesmo possa ser aceite fiscalmente, tal como demonstra a vontade do legislador?
Em nossa opinião, o facto de o legislador ter utilizado o termo “compensação” indicia que estamos perante um rendimento enquadrado na categoria A do IRS, ainda que não sujeito a tributação.
Neste sentido, é nossa opinião que o gasto estará bem documentado se for efetuado o respetivo processamento salarial e enquadramento na DMR com o código A23 (na falta de melhor).
Fonte: “IVOJOMA – Formação e Fiscalidade, Lda”